Marketing de Luxo | quando o "premium" atende um novo nicho e a empresa fica mais "rica"

terça-feira, novembro 19, 2013 Jony Lan 0 Comments

Para conquistar consumidores mais exigentes e com maior poder aquisitivo, gigantes do varejo como GM e C&A adotam estratégias de marcas de luxo.

Seu carro é Adventure, Stepway ou Cross alguma coisa? Sua conta no banco é Prime, Van Gogh ou Personalité? Na geladeira de casa, aquela batizada em inglês – Inverse, Side, Infinity... –, conte quantos itens são gourmet. Vá para o banheiro agora e encontre algum creme ou sabonete com o sobrenome ultra. Achou? E a cerveja gelada do fim de semana? É extra ou gold? Pois é, se houver qualquer resposta afirmativa para as questões acima, você é mais um caso de indivíduo “premiumizado”. Prem... o quê? Calma, sem pânico, você não está sozinho. Seres ‘premiumizados’ têm surgido a cada segundo no mundo todo.

Eu, robô: GM trouxe ao Brasil o robô Bumblebee, do filme Transformers, para o lançamento do Camaro

Uma turma que cansou da mesmice e quer se diferenciar, começando pelos hábitos de consumo. Eles querem ser premium! Sensível a isso, o mercado se mobiliza. Marcas antes reconhecidas como populares já vendem produtos com toques de sofisticação – basta dar uma voltinha pelas gôndolas do mercado ou no shopping center para se deparar com essa variedade de linhas e rótulos. Tem de tudo, do carro à cerveja, da roupa ao picolé. Até a mortadela já foi premiumizada! Um fenômeno. Esta transição, no entanto, não acontece apenas na embalagem com sobrenomes estrangeiros dados aos produtos.

É preciso se estabelecer novos códigos e criar um diálogo mais afinado com o consumidor, para que ele entenda o valor daquilo que está na vitrine. Ou seja, quem antes vendia para a empregada, passou a atender a patroa também, e precisou se adaptar. As empresas partiram, então, em busca desse conhecimento e o encontraram, quem diria, no mercado de luxo. As maisons tradicionais sabem como ninguém vender o valor agregado que seus produtos carregam, baseados nos conceitos histórico e de exclusividade. “As empresas sempre tiveram curiosidade sobre as marcas de luxo”, diz Carlos Ferreirinha, consultor e empresário, fundador do Instituto MCF, em São Paulo.


Visão do futuro: reconhecido como expert em mercado de luxo global, Carlos Ferreirinha agora auxilia o varejo popular no País a se adaptar a uma nova ordem no consumo

“E, agora, elas podem beber dessa fonte de vantagem competitiva e de diferenciação.” Ferreirinha, nascido na modesta São Gonçalo, no Rio de Janeiro, e que já trabalhou como caixa no bar do pai e de recepcionista bilíngue em um flat carioca, é hoje um reconhecido especialista no segmento denominado por ele de ‘luxo absoluto’. O próprio empresário já foi presidente da Louis Vuitton no Brasil por um ano e meio. O conhecimento acumulado à frente do seu instituto sobre o mercado brasileiro e a respeito da movimentação do luxo global lhe confeririu o status de guru para as grifes estrangeiras que querem abrir suas operações comerciais no País.

Há cinco anos, no entanto, o empresário passou a atrair a atenção de companhias nacionais mais populares. Com isso, Ferreirinha virou também uma espécie de mago desse mercado de varejo mais affordable, mais acessível, como ele diz, responsável por traduzir a “mágica” das grandes marcas de luxo para o dia a dia de quem vende barato e no crediário. “Nosso trabalho tem sido transformar o simples em especial”, afirma ele. No portfólio de clientes da MCF, corporações multinacionais como a montadora GM e a companhia aérea LaTAM, além do Banco Bradesco e seu serviço Prime, da operadora de tevê paga Sky e das gigantes dos cosméticos O Boticário e Natura.

Vitrine viva: em 2011, Gisele Bündchen divulgou uma linha especial desenhada por ela para a C&A. A ação incluiu um show de carisma da top na flagship da marca em São Paulo

Palestras, cursos, treinamentos e interferência direta no marketing das empresas estão no menu de ações para transformar o modelo mental dos funcionários e a cultura das empresas. Na binacional aérea, primeiro foi trabalhada a capacitação das equipes de bordo e em terra para atender melhor os passageiros de primeira classe. Agora, o objetivo é treinar os gestores locados nos aeroportos visando o processo de privatização dos terminais no Brasil. Com os cosméticos, a abertura de showroom para experiências sensoriais (Casas Natura) e a adaptação dos funcionários d’O Boticário para vender fragrâncias mais sofisticadas foram os desafios.

Na Sky, criou-se uma estratificação dos clientes, com o lançamento de um canal exclusivo, o Spinel, no qual o assinante pode customizar sua programação entre outros benefícios. O case mais interessante, contudo, é o da GM. Em 2010, a montadora requisitou os serviços da MCF para o lançamento do Camaro, um esportivo de luxo que custa a partir de R$ 165 mil. O problema é que, por muitos anos, o pensamento da empresa esteve ligado à venda de veículos populares como o Corsa. A sofisticação do portfólio carecia de uma profunda guinada na mentalidade. “Mudamos a linguagem de tudo: do marketing, dos vendedores, dos donos de concessionárias, do stand no Salão do Automóvel...”, lembra ele.

Design acessível: em outubro, o estilista italiano Roberto Cavalli lançou sua coleção pela C&A, com roupas exclusivas para as brasileiras

A lição que ficou foi bem aprendida. “A GM não é a Bentley, mas pode vender o computador de bordo de um de seus carros com uma linguagem de apropriação mais adequada ao cliente de um nível mais alto”, diz. Em tempo: para a edição 2010 do salão, Ferreirinha sugeriu que a GM “importasse” o robô Bumblebee, o mesmo usado no filme Transformers (um blockbuster dos cinemas), que usa um Camaro amarelo. Resultado: a montadora ganhou o prêmio de melhor stand daquele ano, encerrando um jejum de mais de uma década sem o troféu. O setor automotivo, aliás, é o que vem se “premiumizando” há mais tempo que os demais.

Em 2003, por exemplo, a Fiat lançou o Palio Adventure, um carro urbano “vestido” para off-road. E o modelo não só vendeu como água como criou uma categoria nova no mercado, imitado pelos concorrentes. “Sempre digo que esse é um case para ser estudado em Harvard”, diz Ferreirinha. O carro era uma versão pouco mudada do modelo convencional e nem de longe seria o mais indicado a encarar uma trilha. “Mas o brasileiro é novidadeiro e entrou nessa aventura pagando 26% a mais só para ter a sensação de dirigir um carro de aventura”, espanta-se o consultor.

Produção requintada: para criar uma linguagem nova, marcas de fast-fashion têm investido em campanhas de primeira linha, com direito a ensaios feitos no Exterior. Este, da C&A, foi em Londres

Recentemente, o Uno Mille, o mais antigo da linha popular da montadora, ganhou a mesma roupagem, passou a ser chamado de Way e, voilá, virou líder de mercado em sua faixa de preço. “Não é só estético”, garante a gerente de publicidade da Fiat, Maria Lúcia Antônio. Ela lembra a instalação do locker na caixa de câmbio dos modelos, mas assume que o apelo emocional foi o ponto crucial para o sucesso da família Adventure. “Tem essa coisa de fugir da vida claustrofóbica das cidades, a coisa da aventura que é sempre muito interessante”, diz. “E a intenção é que o carro nunca veja terra mesmo.”

ALIADOS GRINGOS Muitas vezes, essa mudança no portfólio dos produtos alcança ainda mais êxito com parcerias internacionais. E nesta praia o setor de fast-fashion é imbatível. No fim de outubro, a C&A promoveu uma festa privé no bar Numero, em São Paulo, para o lançamento de uma coleção de roupas assinada pelo estilista italiano Roberto Cavalli. Foi ele mesmo, em carne e osso, o cicerone do evento. “Essas parcerias fazem parte da evolução do mercado”, diz Paulo Correa, VP comercial da empresa fundada na Holanda em 1841.

Lama, pero no mucho: Palio Adventure é um case de sucesso da Fiat, que criou uma categoria de carros de perfil off road para ser usado na cidade

Antes de Cavalli, as estilistas Stella McCartney, Anne Fontaine e Daniela Hellayel – a brasileira à frente da Issa London, marca usada pela duquesa de Cambridge, Kate Middleton – assinaram outras capsule collections para a C&A. “Em geral, essas coleções vendem três vezes mais rápido do que as outras”, afirma Correa. O executivo carioca recorda do estouro que foi a ação com a top Gisele Bündchen em 2011. “As roupas se esgotaram no mesmo dia!”, lembra ele, que anunciou para o verão de 2014 uma linha de moda praia assinada por Lenny Niemeyer, designer famosa pela clientela repleta de artistas da tevê.

Outra diferenciação proposta pelas redes de moda varejo são lojas de visual mais requintado. A flagship da C&A no bacanudo Shopping Iguatemi, em São Paulo, por exemplo, em nada fica a dever em layout a lojas de grife mais badaladas. Seguindo esse exemplo, Correa avisa que a empresa se prepara para abrir as portas de sua loja-conceito em Ipanema, na zona sul carioca, com toda a bossa que o endereço pede. “Será um espaço bem descontraído”, afirma. A rival Riachuelo também prepara a sua ofensiva. Inaugura no dia 27 de novembro uma loja encravada no coração do bairro paulistano mais incensado pelos fashionistas brasileiros, os Jardins, bem na esquina das ruas Oscar Freire com a Haddock Lobo.

Novas fronteiras: Marcella Kanner, diretora de marketing da Riachuelo, diz que a empresa se aproxima do novo consumidor ao fincar bandeira em bairros como os Jardins

“Estávamos há tempos atrás de um endereço mais nobre em São Paulo para nos aproximarmos desse novo consumidor”, afirma Marcella Kanner, diretora de marketing da companhia. Como destaques, a loja terá um painel de led imenso na vitrine e uma varanda aberta para a rua, onde serão feitos os eventos de lançamento. O primeiro deles será o Fashion Five, em parceria com dez personalidades que desenharão coleções, e com o Instituto Criar, do apresentador Luciano Huck, alinhavando um caráter social à iniciativa. “Serão linhas reduzidas, mais exclusivas, com a cara do novo endereço”, diz Marcella.

O bairro dos Jardins, entretanto, virou uma imensa vitrine premium, e tem visto a substituição gradativa do glamour das grifes de luxo, que outrora ocupavam suas ruas. “São marcas básicas e simples que se apropriam do código do lugar para elevar seu patamar de prestígio no diálogo com o consumidor”, analisa Ferreirinha. O especialista não enxerga um problema nesse movimento, mas ressente a ausência do luxo mais tradicional. Com mais de 103 milhões de brasileiros na classe média, segundo o estudo Observador Brasil 2012, e o aumento do poder de consumo dessa multidão, com teto na casa dos R$ 5 mil, não há o que fazer. “A premiumização veio mesmo para ficar”, conclui.


Abs,

Jony Lan 
Especialista em estratégia, marketing e novos negócios
jonylan@mktmais.com

Fonte: Istoédinheiro

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