Inovação | Pesquisadores desenvolvem abacaxi com casca comestível

domingo, maio 15, 2011 Jony Lan 0 Comments

Descascar abacaxis pode deixar de ser uma tarefa espinhosa se tudo der certo com mais duas tentativas de facilitar a vida e o consumo de quem aprecia a fruta. O botânico Pedro Nahoum promete colocar no mercado um abacaxi doce de casca vermelha, totalmente comestível, da casca à polpa, que não precisa ser descascado. Desenvolvido em viveiros em Maricá, região metropolitana do Rio de Janeiro, o fruto deverá chegar às mesas em 2013, em tempo de ser apreciada também pelos turistas atraídos pela Copa do Mundo e Jogos Olímpicos.

Já o respeitado Instituto Agronômico de Campinas (IAC), depois de tentativas não tão bem-sucedidas na década de 90, aposta em uma variedade lançada em 2010 e batizada de IAC Fantástico, contam os pesquisadores Ademar Spironello e José Emilio Betriol Neto. É um abacaxi muito doce, resistente à fusariose - principal doença que ataca a fruta - e com folhas sem espinhos.

Que tal um abacaxi doce, suculento, de casca vermelha, totalmente comestível, da casca à polpa, que não precisa ser descascado e que, ainda por cima, tem propriedades antioxidantes e antihipertensivas? É o que promete colocar no mercado o botânico fluminense Pedro Nahoum, 39, pesquisador da fruta desde 1992.

Desenvolvido em viveiros em Maricá, região metropolitana do Rio de Janeiro, o fruto deverá chegar às mesas em 2013 com a promessa de revolucionar o consumo da fruta - reconhecidamente uma das mais saborosas entre as tropicais, mas que, espinhosa da planta à casca, carrega o estigma de simbolizar uma coisa difícil de lidar.

Nahoum não é o primeiro que se propõe a acabar com o sentido da famosa expressão "descascar o abacaxi". No fim da década de 1990 o respeitado Instituto Agronômico de Campinas (IAC) colocou no mercado o abacaxi Gomo de Mel, variedade oriunda da China de sabor muito doce e que também tem entre suas características o fato de ter os frutilhos, ou "olhos", menos soldados entre si, o que permite comê-los destacando-os com as mãos.

Com baixa resistência à principal praga do abacaxi, a fusariose, doença provocada pelo fungo Fusarium, e com elevado percentual de frutos pequenos nas lavouras, o Gomo de Mel, depois de causar alvoroço ao ser lançado, segundo os pesquisadores do IAC Ademar Spironello e José Emilio Betriol Neto, "foi perdendo o interesse por parte dos produtores".

Eles ressaltam que hoje "é possível encontrar plantios comerciais modestos em algumas regiões, que atendem a nichos específicos de mercado". Agora o IAC aposta em outra variedade, lançada em 2010 e batizada de IAC Fantástico. Não tem gomos que se soltam nas mãos, mas é resistente à fusariose, tem folhas sem espinho e brix (indicador do grau de doçura) superior a 16 graus.

Uma fruta resistente à fusariose e que atinge até dois quilos de peso é o que Nahoum pretende colocar no mercado a partir de um plantio inicial de 1 milhão de pés em uma área de 25 hectares do município de Quissamã, no norte do Rio, que deverá ser feito no próximo ano para colheita em 2013. A substância com propriedades terapêuticas contida na casca vermelha é a Pinotina A, a mesma presente nas uvas, de acordo com o "pesquisador-empresário".

A cidade de Quissamã, famosa por ser uma das principais beneficiárias dos royalties do petróleo, tem terras arenosas próprias para o cultivo do abacaxi, fruta que fez sua fama na década de 1970.

O Valor visitou as estufas da Botanica Pop, empresa de Nahoum, em Maricá, mas as mudas do "Cesar", nome com que o botânico batizou o abacaxi vermelho em homenagem ao seu pai, estavam pequenas. "O normal do abacaxi é florescer a partir de agosto e ser colhido a partir de novembro". Ele disse que até fevereiro foi possível saborear os frutos da florada de 2010.

O botânico afirma que testou a variedade Cesar e outra com características semelhantes, a David (homenagem a um amigo), desde 1999. Ele contratou o laboratório internacional SBW, um dos maiores produtores de mudas do mundo, para produzir as mudas a partir das suas matrizes. Hoje ele tem 10 mil mudas e sua meta é ter em pouco tempo 5 milhões delas e 800 matrizes para plantio próprio e venda ao mercado.

Em parceria com o escritório de arquitetura carioca Índio da Costa A.U.D.T, o pesquisador está desenvolvendo uma embalagem especial para o abacaxi com a qual pretende aproveitar os eventos da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016 para enraizar o produto nos mercados interno e externo. Nahoum conta que já iniciou com o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) as tratativas para construir a identificação geográfica do "abacaxi do Rio de Janeiro".

Segundo Nahoum, contam a seu favor nesse processo os fatos de o abacaxi ser uma planta nativa da Mata Atlântica do Rio de Janeiro e de Quissamã, onde será feito o primeiro plantio comercial, já apresentar um histórico positivo da fruta.

O projeto de Nahoum, que também pesquisa e vende plantas ornamentais, especialmente cactus de diversas origens, conta com o apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), a agência do governo federal voltada para o financiamento à pesquisa e inovação. Com os recursos de um dos dois projetos de subvenção já aprovados pela agência, ele montou em Maricá três estufas, com área total de 8,5 mil metros quadrados, e pretende concluir a montagem de um laboratório no segundo semestre.

O botânico está empenhado em várias pesquisas simultâneas. Uma delas, também de potencial revolucionário, pretende criar um híbrido de mandacaru e xique-xique, os dois cactus mais populares do Semiárido do Nordeste. A ideia é criar uma variedade resistente a pragas e sem espinhos no caule. Como o cactus é basicamente água, a nova variedade seria uma alternativa para alimentar o gado nos períodos de seca, substituindo a palma forrageira, que sofre o ataque implacável da praga chamada cochonilha do carmim. Ironicamente, o carmim é um pigmento vermelho de larga aplicação nas indústrias de alimentos e de cosméticos. E ele é extraído do organismo da cochonilha, inseto de origem mexicana que suga a seiva da palma, fazendo-a amarelar e murchar.

É preciso mais do que novas variedades para atrair consumidor
"Fruta você compra com os olhos". Baseado nessa conclusão, o gerente-executivo do Instituto Brasileiro de Frutas (Ibraf), Maurício Ferraz, afirma que a chegada ao mercado de variedades diferenciadas de abacaxis, que possam atrair o consumidor pelo visual e pelo paladar, é bem-vinda e desejável.

O Brasil disputa, principalmente com Índia e Tailândia, a condição de maior produtor mundial da fruta. As variedades Havaí (smooth cayenne) e Pérola e seus híbridos dominam quase a totalidade do cultivo no país - 35% e 65%, respectivamente, conforme cálculos de Ferraz.

Em sua opinião, o surgimento de produtos "de marca" nos últimos anos é um caminho promissor, mas ainda pendente de confiabilidade. O próprio Gomo de Mel, na sua avaliação, não pode ser descartado e precisa ser mais testado pelo mercado consumidor.

Não é apenas a criação de novos cultivares que pode dinamizar o mercado do abacaxi, tanto para consumo doméstico como para exportações. Segundo Ferraz, o desenvolvimento de embalagens para consumo individual, por exemplo, é uma tendência na busca por atender as exigências do mercado.

Para o especialista, tão ou mais importante do que o desenvolvimento de novas variedades é o manejo adequado das culturas tradicionais, de modo a não causar prejuízos para elas. Ferraz lembra que o Havaí, variedade mais resistente a baixas temperaturas e por isso a cultivada no Sudeste e no Sul do país, ficou "queimado" no mercado por estar sendo colhido fora de época, na estação fria - e, com isso, azedo.

Menor do que o Pérola, o Havai tem casca e polpa amarelas quando maduro. O Pérola chega a mais de 2 quilos, tem casca verde e polpa branca e é cultivado no Norte e Nordeste, onde o clima é favorável o ano todo.

O agrônomo Hélio Watanabe, do Centro de Qualidade em Horticultura da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), entende que "há espaço para novos cultivares, desde que sejam saborosos e resistentes". As variedades até agora lançadas, na sua avaliação, ocuparam um espaço muito pequeno no mercado, seja o Gomo de Mel, do IAC, ou o Imperial e o Vitória, desenvolvidos pela Embrapa.

Com base no que vem sendo dito pela equipe do IAC, o técnico da Ceagesp avalia que a variedade IAC Fantástico tem boas perspectivas no mercado de "novos experimentos", mas deixa um recado para todos que estão com planos de novos lançamentos: "Tem que ser saboroso e ser apresentado em uma embalagem bonita. É preciso também fazer testes de mercado".

"Esse negócio [de novos cultivares] só pega mesmo se agradar ao consumidor final", avalia o agrônomo Leôncio da Costa Vilar, 71, da Emater da Paraíba. Para ele, tem havido muita propaganda sem respaldo do mercado. Adepto declarado da variedade Pérola, que considera o verdadeiro "abacaxi brasileiro", Vilar possui um dos mais respeitáveis bancos de dados sobre a cultura do abacaxi no país.

Com base nessas estatísticas, que vêm desde 1932, o agrônomo mostra que seu Estado lidera a produção de abacaxi do país de 1932 a 2009, com 23,99% do total, seguido de Minas (21,67%) e Bahia (10,75%). São Paulo, que liderou nas décadas de 1930 e 1950, ocupa a quarta posição, com 6,04% da produção no período. Em 2009, última estatística disponível, Minas liderou a produção.

Na década passada, a produção brasileira avançou de 2,72 milhões de toneladas, em 2000, para 3,54 milhões em 2007, descendo para 2,98 milhões em 2009. As estatísticas de preços do Ceagesp, concentradas nas variedades Havaí e Pérola, mostram uma evolução quase linear dos preços no atacado desde 2007. O Havai, que teve preço médio mensal de R$ 2,11por unidade em 2007, sofreu uma queda em 2008 (R$ 1,83), recuperando-se nos anos seguintes.

No Pérola, o preço subiu constantemente, passando de R$ 2,47 em 2007 para R$ 3,55 na média dos três primeiros meses deste ano, uma alta acumulada de 43,7%, com a ressalva de que os dados deste ano vão apenas até março, período no qual a série mostra que os preços foram mais altos em todos os anos, exceto em 2010.

O mercado externo é um alvo desejado, mas não enraizado na abacaxicultura brasileira. Tanto que de 2009 para 2010 as vendas externas despencaram de já incipientes 19,82 mil toneladas (US$ 10,58 milhões) para irrisórias 1,89 mil tonelada (US$ 998 mil). Segundo Ferraz, do Ibraf, em um mercado dominado por multinacionais, foi decisiva para a queda a saída do país de uma grande empresa do setor. Nos dois anos, a Argentina foi o maior importador, com quase 70% do total em 2010 (23,9% em 2009).

Abs,

Jony Lan
Especialista em estratégia, marketing e novos negócios
jonylan@mktmais.com

Fonte: Valor Econômico

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